A TRAGÉDIA FLUMINENSE.
Por Abdon C. Marinho.
ACREDITO que para aqueles que banalizaram a desgraça as imagens mais impactantes dos últimos dias – pelo menos até o surgimento de outras mais impactantes que não tardarão a aparecer –, foram as do tiroteio ocorrido no horário em que os trabalhadores se dirigiam ao trabalho, os estudantes para as escolas, entre a polícia e traficantes em plena Avenida Brasil, no Rio de Janeiro.
A população, em meio ao fogo cruzado, teve que descer dos veículos para se esconderem atrás dos mesmos e/ou das muretas de proteção da via. O saldo em vidas humanas perdidas foi de três pais de família que não voltaram vivos para suas casas. Não foi pior porque, ante a inferioridade patente, a polícia recuou.
Embora já se soubesse, esse acontecimento comprovou de forma cristalina que a polícia do Rio de Janeiro não estava preparada para enfrentar o “poder de fogo” dos bandidos.
Diante da guerra civil instalada o governo estadual levou doze horas para vir a público para nada dizer.
A cada dia que passa a sociedade brasileira vai percebendo que no Rio de Janeiro – e também em outras partes desse imenso país –, o Estado ou o que se entende por poder estatal, não passa de uma ficção, um poder virtual que cobra impostos, exerce algumas funções protocolares, mas que não exerce efetivamente o poder.
Em todas as regiões do estado e, sobretudo, na capital, não existe uma em que os cidadãos não estejam submetidos ao jugo do crime organizado e/ou de milícias. Em maior ou menor grau os cidadãos são submetidos aos “donos do poder”, que exercem suas autoridade e exploram as pessoas da forma que lhes convém.
Sabe-se que em determinadas regiões até a fé e a religião das pessoas é determinada por traficantes e/ou milicianos.
Ainda que violência estarrecedora e capaz de fazer aqueles cidadãos diariamente refletirem sobre a finitude da vida, pois saem de casa sem a certeza se voltarão ao seio dos seus familiares, uma outra tragédia retratando o caos – e com consequências para o futuro –, começa a se desenhar.
Quando saiu o resultado do último IDEB (Índice do Desenvolvimento da Educação Básica) duas coisas me chamaram a atenção.
A primeira, o salto extraordinário do Estado do Pará, que saiu das últimas posições para a sexta posição – e que já tratamos aqui em textos anteriores.
A segunda, a posição, que podemos chamar de vexatória, do Estado do Rio de Janeiro.
Desde então tenho tentando entender o que fez o estado que possui a segunda economia do país, que já foi a capital do Império e da República, um dos maiores centros culturais do mundo, onde se localiza a Academia Brasileira de Letras - ABL, etceteras e tal – poderíamos passar horas descortinando as diversas vantagens do estado a justificarem a gravidade do mesmo em aparecer na posição em que figurou.
O que mais me chamou a atenção é que, muito embora os anos iniciais e finais do ensino fundamental não sejam tão ruins, o estado fica em uma posição intermediária, no “meião” entre os demais, quando passamos a analisar os indicadores do ensino médio há uma piora significativa, levando-o para as últimas posições do ranking.
Vejam, são os jovens que deveriam estudar mais para construírem melhores perspectivas de vida para o seu futuro que se “desinteressam” pela educação levando a uma queda abrupta do indicador de avaliação do ensino.
A pergunta que se faz necessária é o que está “seduzindo” esses milhões de jovens para que abdiquem de um futuro com mais educação, com mais formação, com mais conhecimento, com mais possibilidades de crescimento pessoal?
Trata-se, por óbvio de uma pergunta retórica, a resposta se encontra no início do texto: esses jovens sendo “aliciados” pelas várias modalidades do crime que infesta o estado para ingressarem nas suas facções, que daqui a pouco – pouco mesmo –, poderemos chamar de exércitos do crime organizado.
O que nos resta saber é se esses aliciamentos de jovens que estão abandonando os estudos ainda ocorre de maneira voluntária ou se já estão aliciando de forma compulsória, isso é, obrigando essas crianças e adolescentes a virarem “soldados” do crime.
A tragédia está se desenrolando à vista de todos e começa a aparecer nos indicadores da educação básica.
As autoridades precisam saber interpretar os números, entender as origens dos problemas para poder enfrentá-los.
Mais, ou fazem isso a partir de agora, com disciplina e seriedade ou não terão outra chance para fazerem isso.
O Rio de Janeiro com uma economia tão forte e os milhões ou bilhões que recebem dos royalties do petróleo e tantos outros de outras fontes, com o suporte do governo federal, precisa colocar toda a sua educação, do ensino infantil ao médio, em sistema integral, com os alunos entrando na escola às sete da manhã e só saindo no começo da noite.
Essa é a primeira medida para evitar o assédio do crime sobre essas crianças e jovens.
Outra medida é controle rigoroso da presença desses jovens em sala de aula ou nas atividades educativas que os formem de acordo com suas habilidades ou interesses pessoais.
Os municípios, o estado e união precisam encarar esse desafio como prioridade número um. E se falamos isso em relação ao Rio de Janeiro não é porque a situação seja diferente em outros estados é que lá a tragédia já começa a aparecer nos indicadores educacionais.
Outro dia o governo federal reuniu todos governadores com a missão de encontrarem estratégias para combater o crime organizado que se alastra sobre o país e que ameaça tomar o poder, inclusive institucional – talvez por isso se reuniram –, surgiram as ideias de enfrentamento as mais interessantes.
Urge que enfrentemos o crime organizado, estamos diante de uma emergência nacional, diante de grupos criminosos que já agem e possuem o poderio econômico das máfias.
Entretanto, nessa etapa, estaremos apenas combatendo os efeitos do fracasso estatal. Precisamos fazer isso, com certeza, mas paralelo a esse enfrentamento precisamos fazer o combate da violência na sua origem com políticas públicas que assistam as pessoas desde o início de suas vidas.
A principal política pública é a oferta de educação integral, de qualidade e pelo menos bilíngue para todas as crianças e adolescentes, de sorte que essas crianças e adolescentes já comecem a se prepararem para o mundo globalizado e tecnológico em que vivemos.
Não adianta só combater os bandidos “formados” é necessário impedir que eles surjam, é necessário que os chefes do crime disponham de um exército de pessoas prontas para substituírem os que estão sendo presos ou mortos em confronto com a polícia.
Ao meu sentir as autoridades do país estão “perdidas” nessa questão de combate a violência, ao crime organizado, etcetera. Até onde soube, tantas autoridades importantes reunidas ninguém se deu conta de que não adianta tratar apenas dos efeitos, precisamos combater as causas do problema sob o risco de apenas “enxugar gelo”.
Não soube que alguma das autoridades presentes tenha falado de educação para as crianças e jovens – e isso é fundamental.
As autoridades públicas desse país precisam entender que é urgente uma ação assertiva com vistas a educação integral de todas as crianças e adolescentes (e mesmo adultos) como estratégia para combater os demais males que estão tomando de conta do país.
A tragédia que se desenha no Rio de Janeiro precisa servir como alerta para os demais estados da federação.
O bordão é surrado mas necessário: sem educação não tem solução.
Abdon C. Marinho é advogado.